terça-feira, 18 de novembro de 2014
Ponto de mutação
Muito tem se falado sobre o excesso de profissionalismo das gincanas, na busca obsessiva por pontos, no foco excessivo na vitória e na aceleração absurda das gincanas nos últimos anos.
Ontem eu li a matéria, excelente aliás, que a Zero Hora publicou sobre as melhorias que se pretende fazer nas gincanas. Ali foi citado pela Ana Schweitzer que as gincanas começaram a mudar a mais ou menos uns 15 anos. A memória nos prega peças, portanto posso estar enganado, mas eu lembro que as gincanas ficaram do jeito que estão a bem menos tempo.
Em 1999, quinze anos atrás, as gincanas de São Jerônimo e Portão, por exemplo, eram organizadas pela Astura ou por alguma equipe que seguia o mesmo padrão, como a Falange, por exemplo.
Eu lembro, e tenho fotos, da primeira gincana que participei em Portão, foi em 2003, junto com a Pepino. A gincana era organizada pela Astuta e as tarefas eram divulgadas nos famosos envelopes. Uma charadinha por hora e olhe lá. Descontração total no QG. Nessa época poucas equipes e poucas pessoas participavam em cidades diferentes. Nessa gincana, por exemplo, todas as equipes de apoio estavam reunidas em uma única sala de aula do QG.
A gincana de São Jerônimo seguiu nesse esquema até 2007. Em 2004 a nossa gincana foi organizada pela Gênesis e nos dois anos seguintes pela Tchê. Sempre no esquema de uma ou, vá lá, três tarefas em uma hora, entregues em envelopes. A gincana toda tinha cerca de 40 tarefas. Isso ainda em 2007.
Portão mudou um pouco antes. A Enigma, que utilizou algumas ideias que a Ninja vinha realizando com sucesso, começou a organizar por lá em 2005. Pelo menos é o que eu lembro. Eu estive no QG da Pepino em 2005 e lembro que ver as charadas e as tarefas de um modo geral e ter a sensação de estar vendo um outro mundo. A Enigma tinha dado um salto em relação ao que estava acontecendo.
Em Portão a gincana devia ter, lá por 2005/2006, cerca de 60/70 tarefas. E era um absurdo de tarefa para a época.
A Enigma organizou São Jerônimo em 2008 - foram 76 tarefas contando desfile e show de abertura.
Olha só esse post que eu fiz em Março de 2009
"Mais um final de semana e mais uma gincana, agora foi a vez de Picada Café 2009. Gincana muito forte, em ritmo alucinante (84 tarefas), organizada pela renovada Agência Enigma."
Em Portão, poucos meses depois, já foram 102. A famosa barreira das 100 tarefas havia sido quebrada.
A Enigma era a melhor organizadora da época e reinou sem rivais até 2008. Em 2008 surgiu aquela que iria criar uma saudável rivalidade entre organizadoras e, segundo vários, inclusive esse que aqui escreve, iria superar a rival: a Racha Cuca.
A Racha Cuca pegou o que a Enigma já fazia e acrescentou tarefas com muita criatividade e bom humor que geraram as melhores gincanas que já participei. Isso nos anos entre 2009 e 2010. Mas o forte da Racha Cuca não era a quantidade. Alguns números da Racha Cuca:
Picada Café 2010: 74 tarefas
Charqueadas 2010: 66 tarefas
São Jerônimo 2010: 78 tarefas (incluindo o show)
A Enigma, por outro lado, fazia gincanas que nessa época eram consideradas mais tradicionais. Porém, acreditava muito em aumentar o desafio aumentando o número de tarefas, o desafio das equipes conseguirem se organizar para cumpri-las.
Em paralelo a disputa das organizadoras, a partir de 2007, todas as equipes descobriram que tinham que participar em outras cidades e conseguir apoios fora. Junto com essa ideia vieram a formação dos grupos como co-irmãs e família gincaneira. Para permanecer no grupo você tem que dar muito retorno, ser leal ao bando e participar em massa. Logo, começaram a surgir os ônibus de equipes em frente aos QGs.
Esse aumento da quantidade de pessoas levou, também, ao aumento do número de tarefas, pois as próprias equipes passaram a reclamar que tinham centenas de pessoas no QG que viajam horas para participar de uma gincana e ficavam sem nada para fazer.
Depois da gincana de São Jerônimo li no indescritível calendário gincaneiro uma pessoa reclamando que havia poucas tarefas. Que as organizadoras tinham que aumentar o número de tarefas. Qualquer observação no sentido de reduzir a quantidade de tarefas era criticada, no lindo mundo do facebook, por ser apenas uma tentativa de "facilitar" a gincana para uma equipe ou uma tentativa de prejudicar alguma equipe. O tal pensamento fanático que enxerga apenas pontos e um troféu de campeão no final de semana.
Então, lá por 2012 as coisas começaram a degringolar. O aumento de pessoas, somado ao aumento do número de tarefas é sustentado até certo ponto. Depois disso entramos em colapso.
A partir de 2012 começou a ser comum ouvir histórias sobre acidentes de trânsito em gincanas. Eu me acidentei em 2009 e foi um acontecimento pelo fato extraordinário. A partir de 2011/2012 começou a ser comum acidente em gincana. A de Portão em 2012 teve vários. Teve uma em Rolante que teve uns oito. Foi nessa época em que a gincanas também começaram a ficar automatizadas.
Todas as equipes estão seguindo uma receita padrão e para se diferenciar apenas incrementam as tarefas com mais exigências.
Outro fator importante é o aluguel de veículos. Até 2010 isso não era tão comum. A partir de 2011/2012 se descobriu que se podia alugar um carro por quase nada e "destruir" ele no final de semana sem pena. Isso, mais a imprudência e imperícia, são um prato cheio para os problemas que estamos enfrentando.
O cenário, como podemos ver, é cheio de variáveis e com muitas nuances.
Rivalidade exacerbada + Foco excessivo na vitória + aumento do número de gincanas + aumento do número e complexidade das tarefas + aluguel de veículos + imprudência e imperícia resultam em algo não muito agradável.
PS: Tem umas histórias sobre sábado que ouvi que parece estão se confirmando. Só posso dizer que estou decepcionado.
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